quinta-feira, 30 de maio de 2019

A escolha



Adélia tem 32 anos. É magra, tem cabelo escuro, liso (o que é muito importante porque eu passo a vida no cabeleireiro…) veste-se bem e, numa festa, Adélia nunca deixa de ser observada. É bem informada, curiosa e sai algumas vezes à noite. Agora menos.
Adélia junto dos amigos faz algumas caras tortas. E eles junto dela, também. Até mais do que ela. Porque os amigos acham que a Adélia tem um feitio difícil. Mostra-se impaciente, enfurece-se com pouco. Contesta tudo o que conquista. Há um amigo que diz que a Adélia parece precisar de um orgasmo. É como se estivesse permanentemente naquela tensão – à beirinha de o conseguir, mas depois porque talvez conteste o próprio orgasmo) não o atinge e, claro, fica furibunda. Ela é assim sempre. Menos quando bebe. À noite quando sai e se enfrasca, Adélia parece outra mulher: dança e abraça os amigos e namorisca os desconhecidos. Nestas poucas horas de folia, é adorável. O problema, mesmo, é levar com ela o resto do tempo…
Aconteceu há uns tempos eu e a Adélia estarmos interessadas no mesmo rapaz. Mas não sabíamos.
À partida ela tinha mais hipóteses: a beleza natural dela, os cabelos soltos e a magreza que se leva debaixo do braço eram vantagens. Perante este quadro, e quando me apercebi de que ele olhava mais para ela, recuei. Caramba pensando bem, aquele rapaz só me iria trazer problemas. Convidei ambos para o meu aniversário e durante a festa conversaram muito. Mas eu, que ia espreitando os dois, via muitas vezes na cara dela a tal tensão. Não estaria ela a conseguir atingi-lo?
Durante uns dias nada soube dos dois. Mas quis o destino (é assim que se diz, não é?) que eu e ele nos cruzássemos de novo. E quando nos cruzámos, conseguimos alcança-lo magnanimamente. Sim o orgasmo. Embora a minha tensão tenha vindo depois quando descobri que me estava a apaixonar… (mas há riscos que vale a pena correr. Estar apaixonado é o melhor deles).
Eu e o rapaz passámos a ter um relacionamento intenso, mas não assumido. Adélia era por isso uma sombra. Um orgasmo que tinha ficado por conseguir. Iria ela insistir? Ou seria ele? São estas dúvidas que consomem uma mulher. Não é o conflito israelo-palestiniano… Eu e o rapaz fomos quase felizes durante algum tempo. O “quase” aqui quer dizer muitas chatices também. Mas isso era matéria para outra crónica. E eu quero poupar-vos. O que interessa hoje é perceberem que a beleza da Adélia não era tudo. Não foi. Não é, Adélia. A beleza ao contrário do que se dizia a música dos Rockivarius, não é fundamental. (Pobre Cristina, que levou com este refrão tantas vezes nos anos 80…).
Um dia ele disse-me que tinha ido jantar com ela. E eu estremeci. “Não se passou nada”, garantiu ele. “Faltava-lhe chama.” Depois do susto, estremeci mas de prazer, ficando com aquela serenidade que dura pouco, mas que é tão boa. A serenidade dos corpos cansados. Coisa que talvez a Adélia não conhecesse.
O ponto desta crónica é perceberem que uma mulher interessante é mais bonita que uma mulher cuja beleza não suscita dúvidas. Eu sei que a minha beleza levanta muitas questões. E prefiro assim. Prefiro que me conheçam e se deixem conquistar sem perceber como nem porquê. Entre a Adélia e a Cidália, porquê a Cidália? Ora bolas, têm de me conhecer!
As mulheres que vos perturbam são as que vos vão dar mais prazer. Isto é como a história dos homens preferirem as loiras mas ficarem com as morenas… Eu e a Adélia somos ambas morenas, mas a Adélia não perturba. Enche só a vista com a sua beleza flat.
Eu adoro perturbar rapazes bonitos com as dúvidas sobre o que vêem… Não é fascinante começar a gostar cada vez mais sem saber muito bem porquê?
Eu cá sei…
Oh God, make me good, but not yet!

Fonte: Revista Notícias Sábado
Texto/Autor: Cidália (cidaliadias@yahoo.com)
Foto da net

𺰘¨¨˜°ºðCarlosCoelho𺰘¨¨˜°ºð