sexta-feira, 29 de março de 2019

O pequeno sítio e a vaca


Um filósofo passeava por uma floresta com um discípulo, e conversavam sobre a importância dos encontros inesperados. Segundo o mestre tudo o que está diante de nós dá-nos uma hipótese de aprender ou de ensinar. Neste momento cruzavam-se com a porteira de um sítio que, embora muito bem localizado, tinha uma aparência miserável.
- Veja este lugar – comentou o discípulo.
- O senhor tem razão: acabo de aprender que muita gente está no paraíso, mas não se dá conta, e continua a viver em condições miseráveis.
- Eu disse aprender e ensinar – retrucou o mestre. - Constatar o que acontece não basta: é preciso verificar as causas, pois só entendemos o mundo quando entendemos as causas.
Bateram à porta, e foram recebidos pelos moradores: um casal e três filhos, com a roupa rasgada e suja.
- O senhor está no meio da floresta, e não há qualquer comércio nas redondezas – disse o mestre para o pai de família.
- Como sobrevivem aqui?
E o senhor, calmamente, respondeu:
- Meu amigo, nós temos uma vaquinha qua nos dá vários litros de leite todos os dias. Uma parte desse produto nós vendemos ou trocamos na cidade vizinha por outros géneros de alimentos; com a outra parte nós produzimos queijo, coalhada e manteiga para o nosso consumo.
E assim vamos sobrevivendo.
O filósofo agradeceu a informação, contemplou o lugar por uns momentos, e foi-se embora.
No meio do caminho disse ao discípulo:
- Pegue na vaquinha, leve-a até ao precipício ali em frente, e atire-a lá para baixo.
- Mas ela é a única forma de sustento daquela família!
O filósofo permaneceu mudo. Sem ter outra alternativa, o rapaz fez o que lhe era pedido, e a vaca morreu na queda.
A cena ficou marcada na sua memória.
Depois de muitos anos, quando já era um empresário bem-sucedido, resolveu voltar ao mesmo lugar, contar tudo à família, pedir perdão, e ajudá-los financeiramente.
Qual foi a sua surpresa ao ver o local transformado num belo sítio, com árvores floridas, carro na garagem, e algumas crianças a brincarem no jardim. Ficou desesperado, imaginando que a família humilde tivera de vender o sítio para sobreviver. Apertou o passo, e foi recebido por um caseiro muito simpático.
- Para onde foi a família que vivia aqui há dez anos? – Perguntou.
- Continuam donos do sítio – foi a resposta.
Espantado, ele entrou a correr na casa, e o senhor reconheceu-o. Perguntou como estava o filósofo, mas o rapaz estava ansioso demais para saber como conseguira melhorar o sítio, e ficar tão bem na vida:
- Bem, nós tínhamos uma vaca, mas ela caiu no precipício e morreu – disse o senhor.
- Então para sustentar a minha família, tive de plantar ervas e legumes. As plantas demoravam a crescer, e comecei a cortar lenha para venda. Ao fazer isso tive de replantar árvores, e necessitei de comprar mudas. Ao comprá-las, lembrei-me da roupa dos meus filhos, e pensei que podia talvez cultivar algodão. Passei um ano difícil, mas quando a colheita chegou, eu já estava a exportar legumes, algodão, ervas aromáticas. Nunca me tinha dado conta de todo o meu potencial aqui: ainda bem que aquela vaquinha morreu!

Fonte: Revista Caras
Texto /Autor: Paulo Coelho

Foto da Net
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