Era uma vez uma gota de chuva.
Apareceu com os primeiros raios de sol e era tão redonda, brilhante e
transparente que parecia uma pedra preciosa esquecida por uma fada numa pétala
de rosa.
Enquanto as outras gotas
falavam e se divertiam a deslizar pelas folhas de outras plantas do jardim, a
gota redonda nem se mexia. Não queria estragar a sua forma e temia que o mais
pequeno movimento a dividisse em muitas gotinhas sem o mesmo brilho.
Um beija-flor, que saiu do seu
esconderijo com a claridade que veio depois da chuva, aproximou-se da rosa para
provar o seu néctar. Mas a gota redonda pediu-lhe para ir tomar o
pequeno-almoço noutro lado.
O movimento rápido que o
pássaro tinha de fazer com as asas para se equilibrar no ar podia fazê-la
rebolar pela pétala abaixo e cair no chão.
O beija-flor reconheceu que era
muito bonita e, como nunca lhe tinha feito um pedido semelhante, acedeu ao
desejo da gota. Ainda que lamentasse perder um sumo tão delicioso, virou-se,
deu uma vista de olhos pelos canteiros e voou rapidamente em direcção às
camélias.
Pouco tempo depois um mosquito
aterrou numa folha da roseira. Tinha a garganta seca por ter feito uma longa
viagem desde o pinheiro onde dormia, e pensou que aquela água era do tamanho
ideal para acabar com a sua sede.
A gota redonda pediu-lhe para
ir beber à poça de água formada na terra, ao pé das raízes da buganvília, pois
tinha visto outros insectos voarem nessa direcção e o lugar devia ser mais do
seu agrado. O mosquito que gostava de beber em boa companhia, concordou e fez
um voo picado até ao charco, onde encontrou alguns amigos que já lá estavam
desde a madrugada.
A gota suspirou aliviada e
descansou alguns minutos de todos estes contratempos.
O sossego durou pouco porque de
repente viu avançar na sua direcção uma aranha com idade para ter teia própria.
Vinha devagar tecendo a linha da sua rede com cuidado, tentando não se enganar
nas voltas para não ficar presa na sua própria armadilha. Faltava-lhe pouco
para acabar a sua primeira obra e, quando olhou em frente, viu que a folha no
alto da roseira era o lugar ideal para lançar o fio mais comprido.
A gota tentou afastar o perigo
explicando os seus porquês. A aranha, que era muito resmungona, ficou zangada
por ter de refazer uma parte do trabalho por causa de uma gota maçadora e,
depois de uma troca de palavras
desagradáveis, continuou a tecer a rede com a baba que saia da sua boca para
esse efeito.
Mas a gota teimosa encontrou
tantos argumentos para a dissuadir, que a aranha farta de ouvir um nunca-acabar
de palavras que lhe cortavam a inspiração, decidiu mudar de rumo e poisar a
última ponta da teia na glicínia.
Enquanto continuava redonda e
brilhante, sem se mexer, pensava como era difícil a vida naquele jardim. Tinha
de lutar pela sua sobrevivência com toda a imaginação e usar o poder da palavra
para se defender dos mais fortes.
Das gotas brincalhonas não
ficavam nem rastos, teve os seus momentos de inveja ao ouvi-las rir e cantar,
mas agora não se arrependia de todos os seus cuidados. Afinal, ainda lá estava
no mesmo lugar em que tinha caído do céu. Um caracol dorminhoco que não gostava
de madrugar acordou com o piar de uns pardais que disputavam os bagos de arroz
espalhados na noite anterior à volta da gamela do cão. Pôs as antenas de fora,
esticou o pescoço, olhou em redor e decidiu dar um passeio. Nada melhor para
começar bem o dia do que escalar uma planta. A roseira onde tinha passado a
noite parecia-lhe mais indicada. O seu talo era largo, liso e tinha poucos
espinhos.
Começou a subir lentamente deixando
ao passar um largo rasto de baba brilhante. Foi esse brilho que alertou a gota
de água da chegada do caracol. Por enquanto estava no principio da subida e não
corria perigo, mas perto dela o talo era mais fino e, á medida que se
aproximasse o peso do caracol faria tremer as flores e provocaria a sua queda.
Gritou com todas as forças da
sua voz de água mas o caracol não a ouviu. Prosseguia o seu passeio matinal
parando em cada ramo para apreciar a vista, pouco interessado no que se passava
lá em cima. Tanto se esforçou a gota para chamar a atenção do caracol que quase
perdeu o equilíbrio e, se não tivesse tanto medo de ficar reduzida a uma mini
gota, teria começado a chorar.
Tão ocupada estava em não
desviar o olhar do trajecto do novo invasor, ela que tinha corrido tantos
perigos pequeninos, que não teve tempo de pensar no maior de todos: o sol.
Pouco a pouco, enquanto a gota
estava distraída, o sol fez-se mais quente e foi evaporando a sua água, e
quando deu por si já estava outra vez sentada numa nuvem rodeada de milhões de
gotas vaporosas, prontas a deixarem-se cair quando lhes chegasse a ordem de
chover.
FIM
Fonte: Revista Terra do Nunca
Texto/Autor: Cristina Norton –
Do Livro “O barco de chocolate”.
Foto da revista
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